Humano, Demasiado Humano, de Friedrich Wilhelm Nietzsche (O de bigodes fartos, testa larga e pensamentos amplos)
Não apenas pela novidade da forma aforística, que não era lá tão nova assim, Humano, Demasiado Humano é um marco, não só no pensamento de Nietzsche, mas na própria filosofia. Escrever com estilo e concisão, de modo soberano e soberbo, sobre assuntos delicados, nobres, inextrincáveis, amparados numa tradição de comentários seculares longuíssimos, escritos numa linguagem dura, formal, só é dado a quem possui domínio da língua, da expressão e do pensamento. Nietzsche deu com essa obra um recado claro aos filósofos: ao escreverem, não maltratem a língua mãe. E, sobretudo, não escondam com a capa do ideal, a origem humana de todos os valores. Nessa obra ele fez coincidir a arte da escrita com o exercício do pensamento
Obra Poética, de Fernando Pessoa
(O que bebia tragos à beira-Tejo)
Plural, polifônica, a obra poética de Fernando Pessoa ainda continua sendo o grande desafio poético lançado pelo século XX. Não apenas pela multiplicidade das vozes. Também pela maestria no verbo. No estóico Alberto Caeiro, no desiludido Barão de Teive, no ígneo Álvaro de Campos, e em tantos outros, topa-se com o desafio da multiplicidade: não apenas dos outros, do mundo, mas de si próprio. Quantos ínfimos mundos e eus carregamos conosco... Quase sempre sem saber. Quem ainda se surpreenderá por se reconhecer filantrópico, egoísta, preconceituoso, amoroso, livre, escravo, covarde, corajoso, estúpido e modelo para o mundo? E tudo isso pode se dar no mesmo ente num lapso de 24 horas. Ou em bem menos.
“A MINHA ALMA partiu-se como um vaso vazio...
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso”
(Apontamentos. Álvaro de Campos)

Cuentos, de Júlio Cortázar
(O de braços longuíssimos e olhos mortos).
Quem já foi surpreendido na sala de casa pelo personagem de um conto com um punhal prestes a desferir o golpe fatal? É precisamente isso que os contos de Cortázar proporcionam: surpresa, página a página. Se o contista, como o próprio Cortázar o definiu, assemelha-se a um pugilista que vence a luta por nocaute, difícil será retirar-lhe o cinturão. Duas páginas lhe são suficientes para criar mundos e colapsos. Cortázar foi “admirador” de Edgar Allan Poe, cuja obra completa traduziu para o espanhol. Ele teve gatos. Um deles, talvez ficcional, chamado Osíris, ensinou-lhe a respeitar a distância soberana que esses animais altivos impõem aos humanos em certas horas do dia, e os seus contos trazem essa carga de mistério e soberania, exigindo uma presença não afoita, cuidadosa, à espreita, enfim, felina. O motivo? Nunca se sabe quem é a presa.

Weber, UEL, Londrina.

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